Resposta do Governo - Cabo Ligado 30 de Maio-5 de Junho de 2022

A incursão em Ancuabe, uma das zonas poupadas pela violência, representa uma enorme preocupação para o governo moçambicano em múltiplos aspectos. Em primeiro lugar, Ancuabe está fora das áreas operacionais das forças conjuntas de Moçambique, Ruanda e da Missão da SADC em Moçambique (SAMIM).
10 Junho, 2022

A incursão em Ancuabe, uma das zonas poupadas pela violência, representa uma enorme preocupação para o governo moçambicano em múltiplos aspectos. Em primeiro lugar, Ancuabe está fora das áreas operacionais das forças conjuntas de Moçambique, Ruanda e da Missão da SADC em Moçambique (SAMIM). A chegada dos insurgentes em Ancuabe vai sobrecarregar as forças governamentais e levará à consideração da expansão geográfica dos mandatos da SAMIM como do Ruanda.

Durante o mês de Maio, foram reportados ataques insurgentes em Macomia, Nangade, Palma e Meculo. Essa expansão de ataques aumentou a pressão sobre as forças governamentais e provavelmente exigirá que as forças se estiquem ainda mais para responder a essas novas frentes. No entanto, estender as forças sem aumentar o seu número representa um enorme desafio tendo em conta a dimensão da província de Cabo Delgado. Aumentar o número de tropas destacadas, quando as missões estrangeiras já estão a enfrentar restrições de financiamento, é improvável.

Desde o início do conflito, Ancuabe tem sido um distrito calmo e porto seguro para os milhares de deslocados que fogem das áreas afetadas pela violência. Com o pânico e uma sensação de insegurança agora instalados, uma fuga maciça de residentes e deslocados de Ancuabe é iminente e terá implicações para a resposta humanitária. Os deslocados que saem de Ancuabe irão aumentar a pressão sobre os centros e campos para deslocados internos em Pemba, Montepuez, Metuge, Chiure e na província vizinha de Nampula. Esses distritos já estão sob pressão, e o aumento do fluxo de pessoas deslocadas agravará as dificuldades em fornecer apoio humanitário. O Programa Mundial de Alimentação (PMA) já está no limite da sua capacidade de fornecer apoio alimentar aos deslocados do conflito em Cabo Delgado. Um aumento nos deslocamentos sem um incremento financeiro complicará a assistência humanitária. 

Os ataques em Ancuabe e os recentes movimentos insurgentes em Quissanga e Meluco podem afetar a tendência de retorno dos deslocados às suas áreas de origem. De acordo com os dados da Matriz de Rastreamento de Deslocamentos da Organização Internacional para as Migrações (OIM) entre 27 de Abril e 17 de Maio de 2022, cerca de 70% dos deslocados internos expressaram a intenção de retornar às suas áreas de origem. No mesmo período, 7.800 deslocados internos regressaram aos distritos de Muidumbe, Palma e Mocímboa da Praia. Tanto o número de retornados quanto a tendência de retorno provavelmente serão impactados pelos incidentes em Ancuabe, Quissanga e Meluco. 

Os desafios em fornecer assistência alimentar aos deslocados já estão a ser sentidos na vila de Macomia, onde os deslocados dos últimos ataques a Chicomo, Licangano e Nkoe em 22 e 23 de Maio foram forçados a retornar às suas aldeias devido à completa falta de assistência alimentar e outros apoios. Aqueles que retornaram, encontraram as suas casas destruídas ou queimadas, bens saqueados e suprimentos vandalizados. No reassentamento de Pulo no distrito de Metuge, além do fornecimento e distribuição irregular de ajuda alimentar, as baixas temperaturas estão a trazer novas dificuldades aos deslocados, que se queixam da falta de cobertores e agasalhos para enfrentar o inverno. As crianças, que estão em maior número, são as que mais sofrem com o problema. O Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) disse a 1 de Junho que mais de 400.000 crianças estão deslocadas pelo conflito em Cabo Delgado. 

Não menos importante é o trauma psicológico. O ataque que durou apenas algumas horas em Ancuabe precipitou o deslocamento da população em quase todas as aldeias do distrito. Este incidente mostra que mesmo com capacidade reduzida, pequenos ataques insurgentes podem gerar pânico e deslocamento em massa de populações. A situação psicossocial dos deslocados é apontada pelo vice-coordenador-geral dos Médicos sem Fronteiras (MSF), Mário Fumo, como extremamente preocupante. Mesmo em situações de ataques de baixa intensidade, os deslocados continuam a vivenciar os traumas da violência sexual, decapitações e perda de familiares, daí a necessidade de intervenção urgente. 

O Departamento de Estado dos EUA divulgou o seu relatório sobre o estado da liberdade religiosa no mundo. O relatório analisa as políticas governamentais que violam a liberdade religiosa e as ações do governo dos EUA na promoção desses direitos. O relatório sobre a situação em Moçambique em 2021 discute o impacto do conflito em Cabo Delgado na liberdade religiosa. Na sua análise da resposta do governo à insurgência em Cabo Delgado, o relatório refere a detenção arbitrária de civis “porque aparentavam ser muçulmanos pela roupa ou pela barba”, citando reportagens da comunicação social e de organizações islâmicas. Essas práticas alimentam um sentimento de exclusão e marginalização da maioria muçulmana em Cabo Delgado, um dos fatores por trás da insurgência de acordo com a Estratégia de Resiliência e Desenvolvimento Integrado do Norte (ERDIN). 

O relatório assinala a transferência do então Bispo de Pemba, Luiz Fernando Lisboa, de Moçambique para o Brasil, depois de ter recebido ameaças devido às suas críticas à resposta do governo na gestão do conflito. Nota ainda que os líderes muçulmanos em Moçambique condenaram os ataques perpetrados por uma seita radical do Islão, o que não está de acordo com a prática do Islão “tradicional” em Moçambique. Refere-se também aos esforços de organizações religiosas e da sociedade civil na busca de soluções para o conflito, que envolvem a abordagem de questões de exclusão, pobreza, injustiça e opressão, em vez de religião. Os contínuos ataques armados precipitaram o encerramento de vários estabelecimentos religiosos em Cabo Delgado. Segundo o padre Jeancy Kayaba Masoka, pároco de Macomia, na diocese de Pemba, seis das sete comunidades paroquiais do norte da diocese de Pemba deixaram de funcionar, com exceção de Mueda.

Finalmente, em Kigali, a Ministra da Justiça, Assuntos Constitucionais e Religiosos de Moçambique, Helena Mateus Kida, assinou dois acordos com a Ministra de Estado dos Assuntos Constitucionais e Jurídicos do Ruanda, Soline Nyirahabimana, a 3 de Junho. Os dois acordos, de extradição e assistência jurídica mútua, permitem a extradição entre os dois estados. 


Este artigo é excerto do Cabo Ligado Semanal, uma colaboração do Zitamar News, MediaFax e ACLED.

Receba as noticias via WhatsApp e Telegram!

Para subscrever pelo WhatsApp, clique o botão abaixo e selecione o seu idioma de preferência. Por favor, salve nos seus contactos o número do WhatsApp do Plural Media. Fique tranquilo que ninguém poderá ver o seu contacto.Para subscrever pelo Telegram, clique no botão e siga as instruções no Telegram. O seu contacto não será público.

Popular

magnifierchevron-down