Os custos sociais e económicos do conflito em Cabo Delgado

As despesas de segurança nacional relacionadas com o conflito em Cabo Delgado aumentaram entre os anos de 2018-2022, criando uma pressão significativa sobre o orçamento nacional. A maior parte deste aumento foi contabilizada pelas despesas com as forças de defesa do Estado e a polícia.
22 Dezembro, 2023

O conflito em Cabo Delgado tem tido profundas ramificações para a economia. Para além da violação dos direitos humanos e da deslocação de mais de um milhão de pessoas, o conflito sobrecarregou significativamente os recursos fiscais do país. Entre 2018-2022, as despesas adicionais de segurança nacional relacionadas com o conflito e a perda de receitas do projecto de gás natural liquefeito (GNL) totalizaram aproximadamente 7,75 mil milhões de dólares americanos. O Centro de Integridade Pública (CIP) efectuou recentemente uma análise abrangente do impacto fiscal do conflito, destacando não apenas as despesas imediatas, mas também as implicações a longo prazo e os desafios sociais que a província enfrenta. A análise centrou-se nas despesas com defesa e segurança, nas receitas perdidas devido a atrasos no projecto de GNL e no impacto no sector da educação.

Nos anos 2018-2022, as despesas de segurança nacional relacionadas com o conflito aumentaram em aproximadamente 1,69 mil milhões de dólares americanos, criando uma pressão significativa sobre o orçamento nacional. A análise econométrica do CIP revela que a maior parte deste aumento foi contabilizada pelas despesas com as forças de defesa do Estado e a polícia. A primeira registou um aumento nas despesas de mais de 689 milhões de dólares, enquanto a última registou um aumento de mais de 950 milhões de dólares. Em contrapartida, as despesas com os Serviços de Inteligência e Segurança do Estado (SISE) registaram apenas ligeiros aumentos nas despesas nesses anos. Isto sugere que os principais impulsionadores das despesas nos serviços de inteligência não estão relacionados com o conflito de Cabo Delgado, mas são influenciados por interesses e agendas políticas mais amplas. O aumento significativo das despesas da polícia reflecte o papel de liderança que tiveram na resposta de segurança em Cabo Delgado.

Por outro lado, o conflito conduziu a perdas económicas e sociais. Em termos económicos, o impacto mais óbvio foi o atraso no projecto de GNL liderado pela TotalEnergies. Os atrasos causados pelo conflito fizeram com que o Estado perdesse mais de 6 mil milhões de dólares em receitas, segundo a nossa análise. O mercado actual é caracterizado por preços elevados do gás, agravados ainda mais pelas consequências económicas do conflito russo-ucraniano. O cálculo do CIP baseia-se num atraso de três anos, de 2021 a 2023. Baseia-se num cenário real de mercado com preços elevados. Dados recentes do Banco Mundial mostram que o preço médio do GNL era de 12,88 dólares em Agosto de 2023. A análise do CIP indica que mais atrasos levarão a uma perda ainda maior de receitas.

A crise não se limita às questões fiscais. Existem efeitos sociais devastadores, especialmente na educação e no capital humano da província. Cabo Delgado destaca-se como a única província de Moçambique a registar um declínio nas taxas de alfabetização desde o início do conflito. Os Inquéritos aos Orçamentos Familiares realizados pelo Instituto Nacional de Estatística de Moçambique (INE) em 2020 e 2022 mostram que houve um aumento de 8,7% nas taxas de analfabetismo ao longo desses anos na província de Cabo Delgado. O CIP estima que este choque educacional terá resultado num declínio relativo na produção de Cabo Delgado de quase 360 milhões de dólares durante esse período.

As violações dos direitos humanos, incluindo a exploração sexual, agravam ainda mais a crise humanitária. Um estudo do CIP de Março de 2023 revelou como as mulheres e raparigas deslocadas, principalmente com idades compreendidas entre os 15 e os 40 anos, são forçadas à prostituição devido à insuficiência de ajuda humanitária e de necessidades de sobrevivência. Além disso, centenas de mulheres e raparigas foram raptadas pelo Estado Islâmico de Moçambique em Cabo Delgado desde 2018, muitas delas permanecendo em cativeiro, forçadas a casar ou vendidas. Estas situações agravam a já precária situação das mulheres em Cabo Delgado.

Apesar das substanciais contribuições financeiras e militares dos parceiros internacionais, as necessidades humanitárias de Moçambique continuam, em grande medida, não satisfeitas. O Plano de Resposta Humanitária de Moçambique garantiu apenas 36,1% da cobertura financeira do financiamento necessário até Dezembro de 2023, criando desigualdades na distribuição por sector, com défices significativos na coordenação nos sectores da educação, protecção e segurança alimentar.

A interligação entre as dimensões fiscal, social e de governação evidencia um ciclo vicioso em que os custos económicos do conflito contribuem para os desafios sociais e de governação, criando uma espiral descendente. A ajuda internacional, centrada em intervenções militares, corre o risco de reduzir os orçamentos para o desenvolvimento essencial, gerando consequências imprevisíveis para as gerações futuras.

Neste sentido, para aliviar o sofrimento imediato, enfrentar os desafios socioeconómicos de longo prazo e criar as bases para o desenvolvimento sustentável, recomenda-se ao governo de Moçambique e aos seus parceiros internacionais que reforcem as medidas de segurança, pratiquem a transparência na alocação de despesas, a governação participativa, fornecer financiamento adicional para ajuda humanitária e implementar mecanismos de supervisão fortes.

Escrito por Rui Mate, Pesquisador do Centro de Integridade Pública de Moçambique. Este artigo é excerto do Cabo Ligado Mensal, uma colaboração do Zitamar News, MediaFax e ACLED.

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