Pequenas Empresas, e o Retorno e Reconstrução de Mocímboa da Praia

A insurgência de Cabo Delgado, as operações de contrainsurgência e as soluções futuras estão inextricavelmente ligadas aos interesses do setor privado em todos os níveis. A preocupação com as perspectivas do projeto de gás natural liquefeito (GNL) em Afungi precipitou a intervenção militar direta e subsequentes iniciativas de ajuda, diplomática e cooperação militar.
19 Agosto, 2022
Foto: Confederação das Associações Económicas de Moçambique - CTA

A insurgência de Cabo Delgado, as operações de contrainsurgência e as soluções futuras estão inextricavelmente ligadas aos interesses do setor privado em todos os níveis. A preocupação com as perspectivas do projeto de gás natural liquefeito (GNL) em Afungi precipitou a intervenção militar direta e subsequentes iniciativas de ajuda, diplomática e cooperação militar. A dispersão da insurgência ao sul ameaçou tanto os interesses mineiros nacionais e estrangeiros e, potencialmente, as receitas do Estado. Mas as pequenas empresas comerciais em Cabo Delgado também foram consideravelmente afectadas, com ligações comerciais com a Tanzânia quebradas, centros urbanos despovoados e propriedades danificadas ou destruídas. A garantia de um retorno sustentável no norte da província dependerá em grande medida da garantia de que as empresas locais se possam restabelecer. Os desafios em termos de segurança, infraestruturas básicas e serviços financeiros são consideráveis.

No dia 27 de Julho, as autoridades de Cabo Delgado organizaram um encontro para juntar líderes do setor privado em Mocímboa da Praia, e estabelecer o Conselho Empresarial Distrital. Com o lema “A Recuperação Económica de Mocímboa da Praia”, o encontro demonstrou a vontade do governo em acelerar o regresso à vila, e o papel central que está a atribuir ao sector privado neste processo. O encontro refletiu o desejo de que as empresas regressassem para atrair as pessoas a regressarem em maior escala do que está a acontecer actualmente. Esse desejo é compartilhado por alguns empresários, que estão ansiosos para retornar à sua terra natal e restabelecer suas propriedades e negócios.

Desde o início de Junho, os moradores de Mocímboa da Praia que tinham fugido para Quitunda em Palma têm regressado com o apoio das forças de segurança ruandesas. Os retornados chegam uma vez por semana, mas com pouco mais de 3.500 esperados no total de Quitunda, é improvável que o retorno de um grupo de pessoas que mais perdeu seja sustentável. Para o regresso ao trabalho, serão necessárias as redes de capital e negócios que sustentaram o emprego e as cadeias de abastecimento para uma população pré-conflito de mais de 60.000 pessoas. O encontro de Julho visou elementos da sociedade mais abastada que conseguiram fazer a viagem mais longa até Pemba e restabelecer-se nos negócios. Espera-se, embora não esteja assegurado, que o apoio inicial, que poderá ser suportado pela TotalEnergies, seja alargado no futuro para apoiar as empresas na renovação de imóveis e capital comercial inicial.

Há alguns desafios interligados enfrentados pelas autoridades e empresas interessadas em retornar. Estes vão desde a burocracia e fiscalização de pagamentos, até à segurança física na vila de Mocímboa da Praia e arredores. A burocracia apresenta, pelo menos no curto prazo, os problemas mais fáceis de resolver. Algumas empresas viram o seu registo expirar durante o conflito e precisarão de assistência para restabelecer as credenciais a fim de ter acesso ao apoio. A curto prazo, isso pode ser resolvido com relativa facilidade para o pequeno número de empresas em causa, mas a longo prazo exigirá sistemas de registro de empresas, tributação e muito mais.

O restabelecimento dos negócios terá de incluir supervisão adequada para minimizar as oportunidades de financiamento da insurgência. A insurgência foi inicialmente impulsionada por empresários: a pesquisa realizada em 2018 identificou sete empresários em Mocímboa da Praia suspeitos de financiar a insurgência nos seus primeiros dias. Suspeita-se que tais ligações ainda existam, de acordo com um empresário da vila. Atualmente, os serviços financeiros são inexistentes na vila, com exceção de plataformas de dinheiro móvel, como M-Pesa, e-Mola e mKesh de Moçambique. As plataformas de pagamento móvel de outros países da região, como Tanzânia e Quênia, também estão em uso na província. As empresas vão depender de plataformas de pagamento móvel para suportar as transações no norte de Moçambique e com fornecedores no sector económico de Cabo Delgado, na Tanzânia. Esse risco de transação não deve ser um obstáculo ao desenvolvimento de pequenas empresas comerciais ou de processamento a curto prazo. Embora haja a necessidade de monitorar as transações móveis para fins antiterroristas, a canalização de apoio por meio de grupos empresariais organizados, que podem atestar os membros, provavelmente será o meio mais eficaz de lidar com esse risco.

As empresas enfrentam dois riscos de segurança física de dois quadrantes principais. O mais crítico é dos insurgentes. A vila de Mocímboa da Praia foi invadida por insurgentes em Agosto de 2020, e retomada um ano depois pelas FDS. O retorno tem sido lento desde então, com os primeiros retornos sistemáticos organizados começando em Junho deste ano. As empresas interessadas em reentrar a Mocímboa da Praia estão conscientes do risco que correm as rotas de abastecimento da EN380, uma rota que, uma vez mais, exige agora escolta militar, mas a própria vila mantém-se segura.

Um empresário atribuiu a segurança da vila à presença da Força de Defesa de Ruanda (RDF) com uma abordagem que prioriza o envolvimento da comunidade, mas ao fazê-lo destacou a segunda fonte de risco, as próprias FDS. Compararam desfavoravelmente a situação em Macomia, onde a detenção de pequenos empresários pelas FDS não é incomum, como a de Mocímboa da Praia, atribuindo a diferença à presença de destaque da RDF. Quanto tempo isso manterá poderá revelar-se o fator chave para garantir o retorno à vila, como têm acontecido até à data em Palma, a norte.

Levar um pequeno grupo de empresários para a vila não está isento de riscos. Um risco óbvio é que pode apresentar uma oportunidade significativa de busca de renda para os funcionários da administração pública, e para as agências que apoiam a transferência. O corolário disso é que irá desviar a atenção das necessidades dos regressados mais vulneráveis. Numa pesquisa divulgada em Agosto, o Observatório do Meio Rural (OMR) identificou como uma categoria distinta de deslocados de Mocímboa da Praia os “indivíduos economicamente mais abastados” que conseguiram estabelecer-se em Pemba no início do conflito, e beneficiar da “ indústria de ajuda humanitária”, tal como denominado pela OMR de forma que as populações rurais mais vulneráveis, sem os meios para migrar, não poderiam.


Este artigo é excerto do Cabo Ligado Semanal, uma colaboração do Zitamar News, MediaFax e ACLED.

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