Resposta do Governo - Cabo Ligado Semanal de 16 - 22 de Maio de 2022
Uma nova lei de Prevenção, Repressão e Combate ao Terrorismo e Acções Conexas foi aprovada na Assembleia da República a 19 de Maio. Está prevista para substituir a legislação de 2018 se aprovada pelo presidente Filipe Nyusi. Preocupações com a cobertura mediática e suas implicações para o debate público e a responsabilização em torno do “terrorismo” foram destacadas pelos meios de comunicação, organizações da sociedade civil e pesquisadores. Chamaram atenção para as tentativas de limitar a liberdade de expressão e liberdade de imprensa em Moçambique que constavam do Artigo 19 da versão inicial do projeto de lei.
As questões-chave no centro da controvérsia estão nos dois primeiros parágrafos do artigo 20. Antes de sua última versão, esses parágrafos estavam no artigo 19. O primeiro parágrafo afirmava inicialmente que "aquele que aceder à informação classificada e por qualquer meio a divulgar no âmbito da presente lei, é punido com a pena de prisão de 12 a 16 anos" Isso claramente incluía jornalistas, entre outros, e não apenas os funcionários do Estado responsáveis por "salvaguardar o segredo de Estado". Na versão aprovada no parlamento, o artigo 20 (1), agora apenas sanciona os funcionários. Esse estreitamento do âmbito da lei pode ser atribuído à pressão dos meios de comunicação social.
O artigo 20 (2) da lei estabelece que "aquele que, sendo moçambicano, estrangeiro ou apátrida, residindo ou encontrando-se em Moçambique, fizer ou reproduzir publicamente afirmações relativas a actos terroristas que sabe serem falsas ou grosseiramente deformadas, com intenção de criar pânico, distúrbio, insegurança e desordem públicas, é punido com a pena de prisão de 2 a 8 anos" Trata-se de uma redução da pena de oito para 12 anos na versão anterior.
Embora se reconheça a necessidade de criar mecanismos legais para enfrentar a ameaça do “terrorismo”, o artigo 20(2) ainda é considerado como um espaço de ampliação para a restrição da liberdade de imprensa e liberdade de expressão, e considerado um retrocesso na os esforços para consolidação dos direitos fundamentais e democráticos. Segundo a representante moçambicana do Instituto para a Comunicação Social da África Austral, ainda é suscetível de múltiplas interpretações, podendo ser utilizado como ferramenta para limitar o exercício do direito à informação e liberdade de imprensa e expressão.
Reportar o conflito em Cabo Delgado sempre foi um desafio para os jornalistas moçambicanos. A 3 de Maio, os Repórteres Sem Fronteiras já tinham considerado Moçambique um país difícil para o exercício do jornalismo devido ao acesso cada vez mais difícil à informação e ao crescente autoritarismo, colocando o país em 116º lugar em 180º no ranking mundial de liberdade de imprensa. O bloqueio dos meios de comunicação em Cabo Delgado tem contribuído para a queda significativa de Moçambique neste ranking nos últimos anos. A lei "anti-terrorismo" aprovada pelo parlamento moçambicano pode agravar ainda mais a situação do país. A lei vai agora para o gabinete do presidente moçambicano, que ainda pode anular ou atrasar a sua promulgação.
No início da semana, a 12 de Maio, o parlamento aprovou uma legislação contra o branqueamento de capitais. Isso exige que as organizações sem fins lucrativos publiquem relatórios financeiros e detalhes da origem de seus fundos. A mais recente revisão da conformidade de Moçambique com as recomendações do Grupo de Acção Financeira sobre branqueamento de capitais e financiamento “terrorista” observou que Moçambique ainda não tomou medidas para compreender os riscos reais de branqueamento de capitais e financiamento “terrorista” no sector não lucrativo. Não está claro como esses novos requisitos gerais irão abordar esta questão.
Na sua mais recente visita a Cabo Delgado, o Comandante-Geral da Polícia da República de Moçambique (PRM), Bernardino Rafael, disse estar confiante de que a insurgência no norte de Moçambique estava na sua última fase. As declarações de Rafael, na opinião do Chefe da Missão da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC) em Moçambique (SAMIM), Mpho Moloma do Botswana, são precipitadas. Numa palestra na Universidade Eduardo Mondlane, Molomo apelou à cautela indicando que “não podemos dizer que já vencemos o terrorismo”. No mesmo evento, Molomo expressou as preocupações da SAMIM sobre o impacto psicossocial do conflito, destacando o trauma contínuo vivenciado por mulheres e crianças em centros de deslocados internos.
Em outra palestra na Universidade Joaquim Chissano, Molomo sugeriu que os esforços de segurança não serão suficientes para trazer de volta a estabilidade na região até que as questões de desenvolvimento social sejam resolvidas. “Estamos a estabilizar a situação, não podemos dizer que derrotamos o terrorismo”, disse aos ouvintes, lembrando que ainda estão na floresta de Catupa. Referindo-se à abundância de recursos na província de Cabo Delgado, disse que “quando olhamos para a localização geográfica de Moçambique, vemos que em termos económicos e de desenvolvimento a província ainda está abaixo do nível desejado”.
A Ministra das Relações Internacionais e Cooperação da África do Sul, Naledi Pandor, também reflectiu sobre a resposta da SADC ao conflito numa palestra pública na Universidade da Cidade do Cabo, a 17 de Maio, sublinhando que a insurgência “ameaça a segurança e estabilidade de toda a região, ” e lamentou que Moçambique tenha demorado a aceitar a intervenção. “Quando percebemos que se tornou um problema”, disse ela, “tinha-se tornado enorme”. Ela também se lembrou de seus colegas da África Ocidental perguntando “por que estão perdendo tempo?” Pandor, um peso pesado do Congresso Nacional Africano (ANC), tem sido consistentemente crítico de como Moçambique lidou com a insurgência em Delgado.
O governo da província de Cabo Delgado anunciou que pelo menos 350 dos 900 funcionários públicos regressaram aos seus postos em Muidumbe. De acordo com o Secretário de Estado de Cabo Delgado, António Supeia, o regresso dos funcionários é resultado da melhoria da situação de segurança e do restabelecimento de alguns serviços básicos, não tendo Muidumbe registado nas últimas semanas incidentes de violência política. Apesar dessa aparente melhoria, tanto as populações como os funcionários públicos mantém reservas quanto aos riscos da ameaça insurgente. Como forma de trazer os funcionários de trazer os funcionários públicos de volta aos distritos afectados pelo conflito, as autoridades locais têm recorrido à ameaça de imposição de medidas disciplinares aos funcionários que não cumprem as ordens superiores.
O Observatório do Meio Rural (OMR) publicou um novo relatório a 19 de Maio refletindo sobre os desafios enfrentados pelos deslocados internos que decidem se devem retornar às suas comunidades de origem. A situação nos campos e nas comunidades de acolhimento continua a apresentar múltiplos desafios, conclui o relatório. As condições em algumas áreas melhoraram, mas isso não é, de forma alguma, uniforme. As principais vulnerabilidades permanecem em jogo, especialmente no que diz respeito ao acesso aos alimentos, levando os deslocados internos a adaptarem-se com uma série de estratégias de sobrevivência. As comunidades anfitriãs continuam a lutar com a crescente pressão e competição pelos recursos locais. Muitos estão ansiosos para ver o retorno dos deslocados.
A pesquisa da OMR mostra que a maior parte dos entrevistados deslocados inquiridos estão também interessados em regressar aos distritos de origem até ao final de 2022. A situação de segurança incerta provocou um retorno mais escalonado para muitos, inicialmente para a sede do distrito. Isso gerou os seus próprios desafios, especialmente na ausência de uma administração funcional, serviços e assistência muito necessária para reconstruir as propriedades rurais e com a produção de alimentos.
Este artigo é excerto do Cabo Ligado Semanal, uma colaboração do Zitamar News, MediaFax e ACLED.