Retorno em alta, mas as comunidades permanecem vulneráveis

O governo moçambicano celebrou o regresso massivo dos deslocados às suas áreas de origem em Cabo Delgado, destacando os esforços das Forças de Defesa e Segurança (FDS) na restauração da segurança no norte de Moçambique. Estes movimentos populacionais foram confirmados pela OIM, que registou mais de 540 mil regressos na província de Cabo Delgado até Agosto de 2023. Segundo o Instituto Nacional de Redução e Gestão do Risco de Desastres de Moçambique, pelo menos 409 mil pessoas já regressaram às suas casas. O retorno também é notório nas províncias de Niassa e Nampula. Contudo, o argumento do governo de melhoria da segurança não é suficiente para explicar o retorno significativo da população. Este argumento ignora algumas questões fundamentais sobre a situação das populações afectadas por conflitos.
A premissa do governo de que a segurança foi restaurada em Cabo Delgado tem alguma validade. Os incidentes de violência contra civis em Cabo Delgado diminuíram significativamente desde o último trimestre de 2022, representando apenas 38% dos eventos de violência política na província em 2023. Nos primeiros anos do conflito, a taxa chegou a 80%. Nos últimos meses, os confrontos concentraram-se nas florestas de Macomia e as incursões insurgentes limitaram-se principalmente às zonas costeiras de Macomia e ao sul de Mocímboa da Praia. Foram observados alguns movimentos insurgentes em Nangade, Meluco e Mueda, que podem estar ligados às operações em curso das FDS contra bases insurgentes em Macomia. Estes desenvolvimentos recentes, marcados por uma redução acentuada dos incidentes violentos, contribuíram em parte para o regresso da população.
Contudo, a história do regresso não pode ser contada sem uma análise da situação que os deslocados internos enfrentam nos centros de acolhimento nas províncias de Cabo Delgado, Niassa e Nampula. O primeiro e mais sério desafio é a terrível situação alimentar dos deslocados internos. Desde Abril, o Programa Alimentar Mundial (PMA) tem prestado assistência alimentar às pessoas deslocadas com rações reduzidas, mas entre Julho e Agosto, por exemplo, o PMA só conseguiu chegar a cerca de 418 mil pessoas, deixando o resto à própria sorte. Segundo fontes da Cabo Ligado, os deslocados das aldeias de Nangumi e Metoro, em Ancuabe, que dependem de ajuda humanitária, afirmam não ter recebido nenhuma assistência desde a última distribuição, em Maio e Junho.
Para além da fome, existem outros problemas socioambientais e psicológicos. Um estudo publicado em Agosto de 2023 pela organização não governamental Oasis Moçambique baseado em pesquisas nos distritos de Pemba e Metuge concluiu que os deslocados enfrentavam graves problemas de saneamento (como falta de latrinas), além da falta de meios de subsistência, e violência psicológica nos locais de acolhimento. Como resultado, milhares de pessoas deslocadas foram forçadas a abandonar os seus locais de refúgio em busca de meios de subsistência nas suas áreas de origem.
Mas também existem problemas graves nas áreas de origem. De acordo com um relatório inter-agências, as áreas de regresso carecem de quase tudo, desde água e saneamento até abrigo e assistência de emergência. O processo de reconstrução limita-se à reabilitação de algumas infraestruturas governamentais, como o Instituto de Segurança Nacional e os tribunais. A maior parte das principais infraestruturas não está a funcionar. É o caso das infra-estruturas de saúde, onde, segundo as próprias autoridades nacionais, a maioria das unidades de saúde dos distritos de Macomia, Muidumbe, Quissanga, Palma e Mocímboa da Praia ainda se encontram encerradas devido ao nível de destruição. Os pacientes estão sendo tratados em locais improvisados.
O apoio aos retornados também é escasso, tanto nas áreas de regresso como nos centros de acolhimento. Em Palma e Mocímboa da Praia, o PMA retomou a distribuição de ajuda humanitária, mas não o suficiente. Sem apoio para reconstruir os seus meios de subsistência, as cerca de 400 mil pessoas que já regressaram ficam extremamente vulneráveis. O mesmo se aplica às mais de 800 mil pessoas ainda deslocadas nas três províncias do norte de Moçambique.
As perspectivas para os deslocados, tanto nas áreas de acolhimento como nas suas áreas de origem, não são boas. A situação de segurança pode ter melhorado, mas a redução da ajuda humanitária e o ritmo lento da reconstrução estão a impedi-los de reconstruir plenamente as suas vidas e garantir os seus meios de subsistência. A narrativa do regresso ajuda o governo a reforçar a ideia de que está a vencer no campo de batalha, mas a falta de planeamento para receber os deslocados nas suas áreas de origem pode aumentar a exposição à violência, à exploração e a problemas de saúde.
Este artigo é excerto do Cabo Ligado Update, uma colaboração do Zitamar News, MediaFax e ACLED