Confronto em Macomia chega ao fim

O conflito em Macomia é agora moldado por esta combinação de fraqueza das FDS, reticências da SAMIM e  das RSF, e a presença limitada das Forças Locais, aliada às raízes profundas que os insurgentes têm em Macomia.
21 Julho, 2023

O confronto no litoral de Macomia chegou ao fim a 30 de Junho, quando uma patrulha das FADM foi emboscada quando se aproximava de uma base insurgente. Nos combates que se seguiram, cerca de 10 efectivos das FADM foram mortos. O Estado Islâmico (EI) afirmou, no seu boletim semanal al-Naba de 13 de Julho ter capturado e subsequentemente morto mais três. Nas suas declarações, o EI refere que o destacamento é constituído por militares das FADM, das Forças de Segurança do Ruanda (RSF) e da SAMIM. No entanto, o EI não apresentou evidência do envolvimento da SAMIM ou das RSF, facto que  foi confirmado por várias fontes.

Em terra, o distrito de Macomia depende principalmente de postos avançados das FADM com apoio de patrulhamento do contingente sul-africano da SAMIM baseado na sede distrital, a quase 50 quilómetros de Pangane, na costa. As Forças Locais – milícias comunais apoiadas pelo Estado – têm sido tradicionalmente fracas no distrito. Entretanto, a costa permanece desprotegida, permitindo a circulação e apoio à logística dos insurgentes desse lado. O conflito em Macomia é agora moldado por esta combinação de fraqueza das FDS, reticências da SAMIM e  das RSF, e a presença limitada das Forças Locais, aliada às raízes profundas que os insurgentes têm em Macomia.

Os dados do ACLED refletem os níveis relativos de envolvimento das várias forças. Desde o início do ano, ACLED registou 12 confrontos com os insurgentes no distrito de Macomia. Destes, 10 envolveram as FDS e apenas dois envolveram forças da SAMIM. O único incidente envolvendo as Forças Locais registrado pela ACLED em 2023 é das Forças Locais que detonaram uma armadilha em Fevereiro, provavelmente montada pelas FADM. Compreender a força relativa e os padrões de comportamento dos actores desse conflito dará uma ideia dos riscos a serem enfrentados na província nos próximos meses.

A escolha dos insurgentes da costa de Macomia como reduto ocorreu na sequência de operações intensificadas por ambas as forças estatais e forças de intervenção, particularmente da SAMIM, desde Setembro de 2022. Estas incluíram a Operação Kichwa Chake, prosseguida levada a cabo pela SAMIM em Nangade, particularmente no último trimestre de 2022, e a Operação Vulcão IV, liderada pelas FADM e lançada oficialmente em Janeiro de 2023. Estas operações levaram os insurgentes a deslocar o seu centro de gravidade para Macomia, e em particular para a faixa costeira entre as aldeias de Pangane e Quiterajo.

A mudança para o litoral também reflete as raízes que a insurgência tem nas comunidades locais. Os antecedentes de dois dos líderes da insurgência na área, Muamudo Saha e Mussa Daniel, dão algumas pistas desse facto. O passado de Saha foi documentado por Sérgio Chichava, do Instituto de Estudos Económicos e Sociais de Maputo. Filho de um líder religioso da aldeia de Rueia, em Mucojo, foi atraído pelos ensinamentos mais fundamentalistas da autodenominada seita Ahlu Sunna Wal Jamaa (ASWJ). Respeitado na região como líder religioso, tornou-se ativista social e religioso. Em 2015, chamou a atenção nacional, por ter apelado à proibição do álcool em sua comunidade. Após a sua segunda detenção relacionada com a pregação radical em 2017, pensa-se que se mudou para Mocímboa da Praia e pegou em armas.

A história de Mussa Daniel é semelhante, segundo fontes em Macomia. Ele é natural de Ilala, também conhecido como Cobre, e palco dos assassinatos de tropas das FADM a 30 de Junho. Como Saha, a sua radicalização ocorreu em mesquitas e com indivíduos da rede ASWJ. Diz-se que ele foi radicalizado numa mesquita nas proximidades de Cogolo – também não muito longe da atual base insurgente na Namurússia. Como Saha, acredita-se que tenha se juntado à insurgência cedo e teria se envolvido  num ataque a Ilala em Setembro de 2018. Fontes dizem que ele tem sido proeminente nos recentes confrontos dos insurgentes em aldeias da região, atuando como um “guia e conselheiro”.

Pode-se esperar que esta presença contínua na área, construída com conhecimento e redes locais, possa desencadear uma resposta significativa das forças amigas das RSF e da SAMIM, bem como das forças do Estado moçambicano. Mas para além do recente patrulhamento 'atmosférico' da SAMIM, e do patrulhamento mais agressivo das FADM, este não tem sido o caso.

As FADM estiveram anteriormente envolvidas em operações intensivas na faixa costeira entre Quiterajo e Pangane no início de Junho de 2021, pouco antes da intervenção internacional. As tropas das RSF também não são estranhas à área, mesmo que Macomia esteja fora de sua Área de Responsabilidade. As suas forças patrulharam aldeias entre Quiterajo e Pangane por um tempo em Abril de 2022. Isso seguiu-se a operações para limpar uma base insurgente na floresta de Catupa mais para o interior.

No entanto, as evidências de fontes locais indicam que o movimento de e para a costa continua relativamente desimpedido. As rotas que atravessam o  norte do distrito de Macomia e para o distrito sul de Mocímboa da Praia mantêm uma ligação com as forças insurgentes em Muidumbe e ameaçam a estrada costeira entre Macomia e Mocímboa da Praia. Essas ligações, bem como a liberdade de movimento ao longo da costa, significam que os insurgentes reunidos nas aldeias costeiras não estão isolados.

Entende-se que o governo de Moçambique prefere que SAMIM permaneça na província de Cabo Delgado por não mais de um ano, e que antes de qualquer retirada começar, deve fazer mais uma investida contra os insurgentes. Se isso acontecer, será em Macomia, concentrando-se nas áreas entre as aldeias de Quiterajo e Pangane. Para serem bem-sucedidas, as operações precisarão fechar as rotas terrestres e marítimas usadas pelos insurgentes para chegarem e saírem da costa.

Este artigo é excerto do Cabo Ligado Mensal, uma colaboração do Zitamar News, MediaFax e ACLED.

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