As Eleições Municipais Serão Boas para Mocímboa da Praia?
Menos de dois anos após a sua recaptura pelas forças conjuntas do Ruanda e de Moçambique, Mocímboa da Praia prepara-se agora para as eleições municipais em Outubro. Desde o dia 20 de Abril, às brigadas de recenseamento eleitoral estão mobilizadas para registar os 76 mil potenciais eleitores. A decisão de incluir Mocímboa da Praia nas próximas eleições foi tomada pelo Conselho de Ministros depois de ter ignorado o apelo do principal partido da oposição, Renamo, e dos órgãos de gestão eleitoral para a excluir do processo eleitoral. As preocupações da Renamo e dos órgãos eleitorais sobre o estado de insegurança em Mocímboa da Praia são válidas. Uma presença insurgente contínua no distrito e a militarização da vila podem afetar negativamente as eleições. Também há dúvidas sobre a postura política das Forças Locais. Resta saber se o investimento no processo valerá a pena.
De Janeiro a Abril de 2023, os insurgentes mantiveram uma presença consistente no distrito. Neste período, foram registados sete episódios de violência política em Mocímboa da Praia, com confrontos entre forças pró-governamentais e insurgentes nas aldeias de Mitose, Malinde e Calugo. Esses eventos resultaram em 29 fatalidades relatadas. A presença insurgente também se confirmou nas aldeias de Marere, Limala, Calugo e Mbau, e chegou pacificamente às aldeias de Chiculua, Maculo e Nazimoja, a sul de Mocímboa da Praia, na sua nova estratégia de conquistar 'corações e mentes’. Isso representa um desafio significativo para as eleições municipais. Se os insurgentes conseguirem manter a presença nas zonas rurais do distrito, e nas zonas costeiras do vizinho distrito de Macomia, nos próximos seis meses, poderão representar uma ameaça real à realização de eleições pacíficas. Os ataques naquela época poderiam minar o retorno das pessoas deslocadas ao distrito, bem como a legitimidade do Estado.
A militarização da Vila de Mocímboa da Praia é outro aspecto importante a ser considerado. Várias forças estão destacadas na vila de Mocímboa da Praia, incluindo forças militares e policiais ruandesas, Polícia da República de Moçambique, FADM e Forças Locais. A presença de diferentes forças pode influenciar a votação, já que tanto a população quanto os partidos da oposição podem temer represálias em caso de derrota da Frelimo.
Existem preocupações particularmente sensíveis sobre a composição das Forças Locais. Recentemente, a população de Mocímboa da Praia tem questionado a ausência de pessoas de etnia Mwani nas suas fileiras. As Forças Locais, que têm sido fundamentais nos esforços de contrainsurgência em Cabo Delgado, são consideradas predominantemente compostas pelo grupo étnico Makonde. Além disso, acredita-se que os Mwani constituem a maior parte dos membros dos insurgentes. As comunidades de Mwani e Makua na costa também são consideradas amplamente apoiantes do partido de oposição Renamo, enquanto a própria Frelimo tem as suas raízes no planalto de Makonde no interior. Essas preocupações e suspeitas reforçam a desconfiança mútua entre as diferentes etnias da cidade.
Frelimo é o partido político mais interessado nas eleições em Mocímboa da Praia. Quer repetir a vitória nas eleições autárquicas de 2018, quando obteve 58% dos votos contra 39% da Renamo em Mocímboa da Praia. Além disso, visa usar essas eleições como um mecanismo para restabelecer a legitimidade do Estado. Desde as eleições anteriores, a imagem da Frelimo foi manchada aos olhos de sectores da população local. Durante a campanha para as eleições gerais de 2019, várias pessoas gritaram num comício da Renamo em Mocímboa da Praia “A Frelimo trouxe al-Shabaab”, alegadamente para impedir que a população usufrua dos benefícios dos recursos naturais.
É importante ressaltar que o governo pretende usar as eleições para reforçar a ideia de unidade nacional – um dos princípios da Frelimo. Nisso, pode encontrar os seus princípios minados pela realidade da composição das Forças Locais no terreno. Essa unidade só pode ser alcançada com a restauração da autoridade do Estado. Actualmente, a autoridade do Estado está também a ser substituída por entidades estrangeiras, neste caso, a TotalEnergies e as forças ruandesas, no que diz respeito ao investimento público e à segurança.
Vale a pena perguntar até que ponto as eleições e o próprio processo de recenseamento são relevantes para os residentes de Mocímboa da Praia. O primeiro grande benefício são os cartões de eleitor, que são aceitos como forma válida de identificação pela maioria das instituições públicas. O recenseamento eleitoral representa assim uma alternativa rápida e de baixo custo à obtenção de um documento, especialmente para os regressados. No entanto, fontes locais em Mocímboa da Praia informam que a escassez de centros de recenseamento pode constituir um obstáculo ao acesso a este documento. Um grande número de eleitores registrados não se traduz necessariamente em alta participação eleitoral. A demanda por identificação para acesso aos serviços públicos e para movimentação pelo distrito provavelmente impulsiona o registro. Se o investimento fosse melhor feito nesses mesmos serviços públicos, como água ou saúde, permanece uma questão. Com um Estado enfraquecido, a maior parte dos serviços está a ser prestada por entidades estrangeiras, desde o setor empresarial a organizações humanitárias.
Resta saber se as eleições de Outubro vão resolver os problemas por detrás da insurgência em Mocímboa da Praia. As eleições oferecem uma oportunidade para os cidadãos definirem suas prioridades. No entanto, é questionável se a Frelimo estaria interessada em usar as eleições para entender melhor as demandas da população, e dos insurgentes em particular. Para o fazer, a Frelimo teria de ser mais tolerante e aberta a considerar os factores socioeconómicos como centrais na sua estratégia de resolução de conflitos. Desde o início do conflito, a Frelimo negou veementemente os fatores socioeconômicos como a força motriz por trás da insurgência, descrevendo o conflito como sendo impulsionado pelo jihadismo internacional.
As eleições municipais de 2023 e as eleições gerais de 2024 podem representar uma excelente oportunidade para renovar o contrato social entre o estado e o povo. Da mesma forma, as autoridades podem aproveitar este momento para ouvir as queixas da população, procurando estabelecer canais e mecanismos de diálogo entre os vários atores políticos e sociais de forma a pôr fim à insurgência. No entanto, as eleições podem prejudicar ainda mais o processo de resolução de conflitos se servirem apenas ao interesse de restaurar a autoridade do Estado, sem levar em conta os fatores inerentes à insurgência e o risco de os insurgentes visarem o processo.
Este artigo é excerto do Cabo Ligado Semanal, uma colaboração do Zitamar News, MediaFax e ACLED.