A Reconstrução de Cabo Delgado Está a Acontecer?
Há indicações de que partes de Cabo Delgado estão a caminhar positivamente para a estabilidade do ponto de vista da segurança. No mês passado, o Presidente da Confederação Suíça, Alain Berset, e o CEO da TotalEnergies, Patrick Pouyanné, visitaram Mueda e reuniram-se com o Presidente Filipe Nyusi em Pemba, a par de deslocações a Palma e Mocímboa da Praia. No final do mês, o ministro da Defesa Nacional, Cristóvão Chume, deslocou-se a Muidumbe. Em Nangade, uma delegação da SAMIM visitou para se concentrar em assuntos civis. Estas visitas de alto nível aos distritos fortemente afectados pelo conflito seguem-se ao regresso contínuo de deslocados a Mocímboa da Praia, Palma e Quissanga, ao recomeço das obras de reabilitação no porto de Mocímboa da Praia e às perspectivas de reinício do projecto de gás natural liquefeito (GNL) em Afungi. Apesar destes desenvolvimentos positivos, a reconstrução de Cabo Delgado tem ainda um longo caminho a percorrer.
O Plano de Reconstrução de Cabo Delgado (PRCD), aprovado pelo parlamento moçambicano a 27 de Setembro de 2021, visa restaurar as infraestruturas e serviços básicos destruídos pelos ataques armados que assolam Cabo Delgado desde 2017. O plano trienal de 2021 a 2024 está orçado em aproximadamente 300 milhões de dólares americanos para reconstruir a infraestrutura pública, fornecer ajuda humanitária e contribuir com apoio socioeconômico às famílias. De acordo com este plano, cerca de um terço deste valor seria gasto no primeiro ano em questões como a restauração da administração pública, unidades de saúde, escolas, eletricidade, abastecimento de água, saneamento, telecomunicações, vias de acesso e empregos para jovens, entre outros.
O governo moçambicano não conseguiu alocar todos os fundos previstos para o PRCD. Isto foi reconhecido pelo Primeiro-Ministro durante a sua visita a Cabo Delgado em Novembro de 2022. O papel do governo foi, em certa medida, parcialmente substituído por entidades privadas e instituições de cooperação, tanto nacionais como internacionais, com programas próprios.
Um número crescente de atores e parceiros tem financiado projetos e programas voltados para a reconstrução de Cabo Delgado. A 28 de Fevereiro, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) divulgou € 19 milhões (US$ 20,17 milhões) para seu projeto de dois anos de "Estabilização e Recuperação Imediata de Cabo Delgado", como parte do PRCD com financiamento da União Europeia e da Holanda. Em Agosto de 2022, o PNUD também formou 50 policiais de Mocímboa da Praia, Palma, Nangade, Mueda, Quissanga e Macomia em direitos humanos e ética, juntamente com a reabilitação do comando distrital de Quissanga. A Organização Internacional para as Migrações (OIM) financiou a construção de postos policiais na província. A TotalEnergies e o PNUD disponibilizaram contentores que permitem o funcionamento dos serviços do Estado em Mocímboa da Praia. Médicos Sem Fronteiras instalou brigadas móveis de saúde para fornecer serviços de saúde à população local.
Apesar das múltiplas intervenções, é cada vez mais evidente no terreno que este apoio não está a seguir um esforço concertado, robusto e abrangente para uma reconstrução mais eficaz e impactante de Cabo Delgado. Um relatório recente do Observatório do Ambiente Rural (OMR) constatou que a maior parte das infra-estruturas de Mocímboa da Praia foram destruídas, nomeadamente os edifícios públicos e instalações necessárias à prestação de serviços. Em particular, o relatório afirma que a população que retornou enfrenta problemas de acesso à educação, serviços de saúde e apoio às atividades econômicas, exemplificando a atual fragilidade do estado. No que diz respeito ao acesso à água no distrito de Mocímboa da Praia, por exemplo, dos 120 furos que existiam no período pré-conflito, apenas 36 estão operacionais, reduzindo significativamente o acesso à água. A situação não é melhor no setor da saúde, pois a maioria das unidades de saúde foram completamente destruídas e os equipamentos danificados ou vandalizados. A incapacidade de prestação de serviços sociais é agravada pelo lento retorno dos servidores públicos aos bairros atingidos pela violência.
Este cenário de reconstrução desafiador foi reconhecido numa reunião a 16 de Fevereiro de 2023 entre o Ministério da Economia e Finanças (MEF) e parceiros para avaliar o desenvolvimento em Cabo Delgado. Desde a aprovação do PRCD, o MEF constatou a falta de progressos, que a maior parte das infraestruturas espera por reabilitar, a falta de condições básicas para a população nas zonas de retorno e a falta de oportunidades de emprego ou geração de rendimentos para a maioria população jovem. Segundo o MEF, é urgente a mobilização de recursos para custear as ações do PRCD. Para concentrar esforços, foram identificadas e priorizadas acções nos distritos de Palma, Mocímboa da Praia, Muidumbe, Nangade, Macomia e Quissanga.
Ressaltando talvez como a ADIN não tem desempenhado o seu protagonismo na reconstrução, na mesma reunião do MEF, os parceiros internacionais pediram a constituição de uma Plataforma de Coordenação das acções em Cabo Delgado e Norte de Moçambique. O papel do ADIN agora parece ter sido substituído por tais mecanismos ad hoc centrados no MEF.
Em Cabo Delgado, as abordagens de reconstrução priorizam a reconstrução física, com foco na restauração de infraestrutura econômica e serviços básicos para permitir o retorno seguro das populações. No entanto, existem questões fundamentais que ainda não foram abordadas, sendo uma delas a questão das disputas étnicas nas comunidades de Cabo Delgado, destacadas no recente relatório da OMR. Atualmente, não existem políticas que estimulem a inclusão das comunidades nas decisões sobre políticas públicas e no próprio processo de reconstrução. A falta de envolvimento e participação da sociedade civil em relação à reconstrução também é digna de nota. Além disso, o atual quadro político carece de clareza sobre a criação de instituições que responderão às crises e aos traumas psicológicos das populações. Estas lacunas podem comprometer a já complicada implementação da reconstrução de Cabo Delgado.
Este artigo é excerto do Cabo Ligado Semanal, uma colaboração do Zitamar News, MediaFax e ACLED.