A Questão da Sucessão na Insurgência

Bonomade não é o único líder que a insurgência perdeu. Abu Yassir Hassan faleceu este ano. A morte de Mustafa al-Tanzani foi anunciada pelo EI em Abril de 2023. Com a morte de Hassan e Omar, assim como de outros, a sucessão torna-se um problema.
11 Setembro, 2023

A morte de Bonomade Machude Omar, também conhecido como Ibn Omar, deixa a insurgência num ponto de inflexão. Sendo o líder militar mais capacitado da insurgência, a sua morte surge na sequência da morte ou assassinato de vários dos seus colegas nos últimos meses. Bastante reduzidos desde o seu auge em 2021, quando tinham paralisado a infra-estrutura económica da província, os insurgentes estão agora, na sua maioria, confinados ao distrito de Macomia. Esta situação coloca alguns desafios. Em primeiro lugar, um líder militar tão capacitado terá de ser substituído, quer internamente, quer potencialmente através de redes afiliadas ao EI. Em segundo lugar, é provável que o grupo se veja confrontado com a intensificação de operações por parte das tropas das FADM e da SAMIM. Embora a capacidade das FADM seja limitada, espera-se uma intensificação das operações da SAMIM em Macomia em preparação para a sua retirada prevista para em Julho de 2024, particularmente durante a actual fase de “pacificação”, que deverá decorrer até Outubro de 2023. Nestas circunstâncias, o grupo terá de ir para além de Macomia se quiser ter um futuro.

O Observatório do Meio Rural tem a biografia mais completa de Omar. Natural da aldeia de Ncumbi, distrito de Palma, foi criado na vila de Mocímboa da Praia. Ali, para além do ensino secular, frequentou também estudos religiosos. Depois da escola, serviu na marinha e, mais tarde, passou algum tempo na Tanzânia. Ao retornar, estabeleceu-se como comerciante no bairro Nanduadua, na vila sede. Envolvido na insurgência desde os primeiros ataques em Mocímboa da Praia em 2017, rapidamente se tornou o seu líder militar mais proeminente. Num videoclipe de Março de 2020, amplamente divulgado, ele apareceu ao mesmo tempo implacável e carismático, avisando os moradores de Mocímboa da Praia para que não colaborassem com as autoridades.

De acordo com o Departamento de Estado dos Estados Unidos, que o designou terrorista em Agosto de 2021, era o chefe militar geral do grupo e liderou um grupo que atacou Palma em Março de 2021. Outro grupo que participou nesse ataque foi liderado pelo falecido Abu Yassir Hassan, igualmente designado pelos EUA em Março de 2021. Omar esteve envolvido em operações em Cabo Delgado, de acordo com o Departamento de Estado, bem como na região de Mtwara, na Tanzânia.

Omar não é o único líder que o grupo perdeu. Abu Yassir Hassan faleceu este ano, não em combate, dizem fontes. Considerado tanzaniano, e por vezes apelidado de líder religioso, também desempenhava um papel militar importante, como o demonstra a reivindicação dos EUA do seu envolvimento no ataque de Palma. A morte de outra figura nascida na Tanzânia, Mustafa al-Tanzani, foi anunciada pelo EI em Abril de 2023. Segundo uma fonte, ele tinha sido morto pelas forças da SAMIM numa operação na ilha de Matemo no mês anterior. Pouco se sabe sobre ele, mas o registo da sua morte pelas forças de intervenção e pelo EI sugere a sua importância.

As autoridades moçambicanas não hesitaram em reivindicar outras vítimas mortais. Bernardino Rafael, Comandante Geral da Polícia, afirma que foram mortos cerca de 30 “líderes”. Ele não citou nenhum número específico, nem indicou o período a que se referia. Em 23 de Agosto, o Ministério da Defesa afirmou que Abu Kital e Ali Mahando foram mortos, alegando que Kital tinha sido assistente de Omar. Nenhuma informação foi dada sobre Mahando, embora de acordo com uma fonte local, Ali Mahando, conhecido como Sheikh Ali, fosse uma figura importante, com funções de professor de madrasa e combatente. Issa Wachio, outra figura militante considerada significativa pelas forças de intervenção, foi morto numa emboscada das FADM no distrito de Nangade, em Maio deste ano.

Com a morte de Hassan e Omar, assim como de outros, a sucessão torna-se um problema. Embora Omar tenha mantido o seu estatuto de líder militar, Farido Selemane Arune tem sido considerado, desde o ano passado, como tendo pelo menos o mesmo estatuto. Não está claro se ele pode reivindicar legitimidade na ausência dessas duas figuras. Abaixo de figuras como Farido e Omar, os insurgentes desenvolveram um quadro de comandantes, como Muamudo Saha e Daniel Mussa de Macomia. A estrutura relativamente plana do grupo ao longo dos anos, com comandantes baseados em diferentes partes da província, terá permitido o desenvolvimento de alguma capacidade. Não se sabe se Farido, ou qualquer outra pessoa, tem capacidade militar, visão estratégica e legitimidade junto do grupo para tomar as rédeas. É improvável que o EI imponha uma figura externa, mas poderá levar a um apoio técnico intensificado do exterior, seja da província da África Central do EI, ou de lugares mais distantes.

Embora os insurgentes tenham conseguido travar com sucesso as operações das FADM e SAMIM no distrito de Macomia, o desafio que têm pela frente é real. A sua capacidade de continuar a fazê-lo dependerá da sua capacidade de manter e abastecer bases na área e da capacidade da sua força de combate restante. O número de combatentes activos foi recentemente estimado pelas Nações Unidas como 180-220, abaixo dos 280 estimados em Dezembro de 2022. Movimentos recentes de alguns combatentes para oeste a partir de bases em Macomia sugerem que o grupo pode mais uma vez tentar separar-se em face a uma pressão contínua, como aconteceu nos meses que se seguiram à intervenção internacional em 2021. Nessa altura, o grupo conseguiu com sucesso resistir a uma investida e poderão muito bem conseguir fazê-lo novamente.

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