A Perspectiva dos Militares Moçambicanos sobre o Conflito em Cabo Delgado

Embora a maioria dos trabalhos apresentados na conferência não tenham sido baseados em pesquisas de campo originais, eles forneceram uma visão rara das reflexões nos círculos militares sobre as causas do conflito e como eles podem ser abordados.
15 Setembro, 2022

O Instituto Superior de Estudos de Defesa de Moçambique (ISEDEF) realizou a sua primeira Conferência Científica sobre Defesa e Segurança de 22 a 26 de Agosto, em Maputo. As gravações estão disponíveis na  Página do Facebook do ISEDEF. Apresentadores e participantes foram, em sua maioria, provenientes das FDS. Nos seus pronunciamentos de abertura na conferência, o Ministro da Defesa Cristóvão Chume apresentou três questões-chave para os participantes. Em primeiro lugar, como um grupo de jovens mais radicalizados e mais agressivos [grupos armados] operam em nosso continente”? Em segundo lugar, como eles puderam se espalhar tão rapidamente por Cabo Delgado? E, finalmente, como eles conseguiram fazer parte de uma rede internacional, operando regionalmente e além do continente?

O Ministro Chume sugeriu que essas questões não haviam sido abordadas até agora. “Timicamente, a academia nacional iniciou uma discussão das causas, sem conseguir passar à comunidade nacional a razão objectiva deste fenómeno”, referiu na abertura da conferência. Suas observações talvez injustas - muito tem sido escrito e publicados sobre o conflito – coloque a fasquia alta para a conferência. E a conferência não decepcionou totalmente. Embora a maioria dos trabalhos apresentados na conferência não tenham sido baseados em pesquisas de campo originais, eles forneceram uma visão rara das reflexões nos círculos militares sobre as causas do conflito e como eles podem ser abordados. Dois temas distintos puderam ser discernidos. Em primeiro lugar, foi reconhecido que o treinamento e apoio em combate não são adequados para o tipo de guerra que está a ser travada em Cabo Delgado, reconhecendo que o apoio é necessário para um melhor envolvimento com as comunidades. Em segundo lugar, houve um reconhecimento da importância de fatores internos na causa do conflito, incluindo um Estado fraco, serviços públicos deficientes e investimentos geridos de forma inadequada.

Um antigo comandante do ISEDEF, Major General Samuel Luluva, manifestou preocupação com a falta de compreensão das Forças Armadas de Defesa de Moçambique (FADM) das comunidades onde “o inimigo dificilmente se distingue da população civil”. Ao sustentar isto, sugeriu que as comunidades em Cabo Delgado são tão “incaracterísticas” que exigem “além de competências de natureza militar”, conhecimento de “crenças, costumes, tabus, cultura, e outros.“ Ele sugeriu ainda que a influência das normas culturais, da história, e mesmo da” memória imaginada” deve ser compreendida e que, de outra forma, as forças seriam vistas como “estranhas e indesejáveis pela população local”.

Uma apresentação do Ministério da Defesa Nacional também mostrou a importância atribuída à compreensão das comunidades, mas no contexto das operações psicológicas contra os esforços insurgentes para gerar uma nova, ainda que falsa, “consciência religiosa” uma vez que visam “jovens que vivem na pobreza”. Houve o reconhecimento de que isso é feito em parte por meio de redes sociais online usadas tanto para propaganda, quanto para desmoralizar as tropas em campo. Uma apresentação específica sobre o uso das tecnologias de comunicação da informação para combater o “terrorismo” em Cabo Delgado apresentou uma compreensão puramente teórica do uso das redes sociais pelos insurgentes.

Recomendações específicas para combater a alienação das comunidades do Estado foram apresentadas pelo Dr. Hama Thay, general da Reserva das FADM e proeminente veterano da Frelimo. A sua análise destacou fatores internos em Cabo Delgado, todos centrados na fragilidade do Estado. Referiu que o desenvolvimento económico em Cabo Delgado tem “sérias insuficiências” que podem estar na origem do conflito. Referindo-se ao trabalho do Observatório do Ambiente Rural(OMR) e do Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE), Thay apontou para a ausência do Estado, um aparelho de segurança fraco, desigualdade de riqueza e esquemas de reassentamento mal geridos associados a grandes investimentos como contribuindo para o conflito. A sua apresentação também ecoou de Luluva com a falta de compreensão das comunidades de Cabo Delgado. Militarmente, isso o levou a recomendar que as tropas das forças especiais falassem pelo menos duas das línguas maconde, mwani, macua e suaíli. Além do conflito, ele destacou a falta de oportunidades oferecidas aos jovens pelos investimentos de grande escala. Depois de vincular a retirada dos garimpeiros de pequena escala de Namanhumbir em 2017 ao início da insurgência, ele recomendou o reconhecimento oficial dos garimpeiros e o estabelecimento de canais formais de comercialização para eles.

A conferência do ISEDEF indica que dentro dos círculos estatais há uma vontade de refletir sobre a história, as políticas públicas e seu papel no conflito. Tais reflexões críticas podem fornecer uma abertura para que potências como a União Européia (UE) se engajem com o Estado, com 15 milhões de euros destinados a SAMIM, e possivelmente mais 20 milhões de euros para as forças ruandesas e apoio contínuo às FADM.

A pesquisa sobre essas questões continua no país e na região. A 'academia nacional', como o Ministro Chume denominou esta comunidade dinâmica, reunir-se-á este mês na conferência do IESE sobre Conflito, Violência e Desenvolvimento, onde estes debates continuarão. As inscrições estão abertas. 


Este artigo é excerto do Cabo Ligado Semanal, uma colaboração do Zitamar News, MediaFax e ACLED

Receba as noticias via WhatsApp e Telegram!

Para subscrever pelo WhatsApp, clique o botão abaixo e selecione o seu idioma de preferência. Por favor, salve nos seus contactos o número do WhatsApp do Plural Media. Fique tranquilo que ninguém poderá ver o seu contacto.Para subscrever pelo Telegram, clique no botão e siga as instruções no Telegram. O seu contacto não será público.

Popular

magnifierchevron-down