A guerra do Estado Islâmico em Moçambique contra a Igreja
Os ataques concentraram-se todos no distrito de Chiúre, no sul de Cabo Delgado, onde os insurgentes lançaram uma ofensiva no início de Fevereiro e passaram grande parte do resto do mês saqueando aldeias, destruindo edifícios e assassinando civis. No jornal al-Naba do EI e nas redes sociais, os insurgentes alegaram ter queimado um total de 18 igrejas em nove aldeias de Chiúre. Muitas destas reivindicações foram acompanhadas de fotografias de combatentes a incendiar igrejas e a demolir outros ícones cristãos, como crucifixos.
Numa reunião com representantes da igreja local, Dom António Juliasse, Bispo de Pemba, disse que os cristãos em Cabo Delgado viviam num estado de perseguição, segundo um missionário brasileiro que estava presente. Juliasse teria dito que a igreja de Pemba estava a passar por um “momento de tribulação” e que a diocese se recusaria a pagar quaisquer resgates para libertar reféns cristãos, uma vez que isso alimentaria a insurgência – e que o Presidente Nyusi tinha ficado descontente com o facto de o anterior bispo de Pemba, Dom Luís Lisboa, ter pago um resgate pela libertação de duas freiras brasileiras raptadas em Mocímboa da Praia em 2020.
Embora o número de igrejas destruídas nesta campanha seja incomum, não é a primeira vez que os insurgentes têm como alvo instituições cristãs. O EI assumiu a responsabilidade pelo incêndio de pelo menos 10 igrejas em 2022, cinco delas durante uma onda de ataques nos distritos de Ancuabe e Macomia em Junho. Em Setembro desse ano, uma ofensiva insurgente também levou a uma breve incursão na província de Nampula, onde combatentes atacaram uma missão católica em Chipene, matando a tiro uma freira italiana e incendiando as instalações.
Em Maio de 2020, os insurgentes saquearam um mosteiro beneditino e incendiaram um hospital católico em Awasse, no distrito de Mocímboa da Praia, suscitando receios de que os insurgentes tivessem como alvo as comunidades cristãs. O Bispo Lisboa procurou então dissipar esses receios, salientando que outros edifícios também tinham sido destruídos. Cabo Ligado observou na altura que havia poucos indícios de que a ênfase dada pelos insurgentes ao ataque aos cristãos na sua propaganda estivesse a orientar as suas decisões sobre os alvos.
Com estes últimos ataques em Chiúre, não há dúvidas de que os insurgentes estão à procura de alvos cristãos. Isto parece fazer parte de uma tentativa mais geral de concretizar a sua pretensão de incorporar um “califado”, ou governo islâmico. Depois de assumirem Mucojo, em Macomia, em Janeiro, os insurgentes proibiram o álcool e impuseram códigos de vestimenta e cortes de cabelo com base numa interpretação estrita da lei Sharia.
Em Fevereiro, os insurgentes também deixaram uma nota no distrito de Quissanga exigindo que os não-muçulmanos pagassem um imposto chamado 'jizya' e até formaram postos de controlo onde recolheram dezenas de milhares de Meticais dos condutores que passavam. Os insurgentes têm deixado notas como esta em Cabo Delgado desde, pelo menos, Novembro de 2022, mas só este mês começaram a tentar fazer cumprir este imposto.
Embora a insurgência esteja filiada ao EI desde 2019, até recentemente, os seus objectivos têm sido em grande parte obscurecidos pela violência aparentemente indiscriminada. Os incêndios de igrejas em Chiúre podem ser o culminar de um realinhamento estratégico que procura clarificar o compromisso do grupo em estabelecer uma ideia extrema de um Estado islâmico em Moçambique.